O Elo - Trecho de batalha



  O momento de maior desespero e risco em toda a campanha ocorreu na nona batalha; Lohengrin não podia acudir, pois combatia em outro front; e um erro de cálculo cometido por Erik prejudicara a distribuição das tropas.
- Venham, covardes!
  O próprio se encontrava na borda de um penhasco, sem capacete e sem cavalo, atacado por um grupo de aproximadamente dez jotuns. Machadadas e marteladas vinham de todas as direções e a velocidade das esquivas não permitia apenas modestos contra-ataques: de vez em quando uma espadada de Erik mutilava algum jotun ou deixava em pedaços a arma que o gigante portava; mas era muito pouco para a quantidade de inimigos.
- Idiotas! Não recuem!- Engasgou-se de raiva o líder dos jotuns.- Se ele ficar encurralado não terá qualquer chance! Encurralem-no! O que é um humano em comparação com um jotun além de um rato indefeso?
  Mas a ordem não adiantou. Aqueles gigantes, por incrível que pareça, tremeram perante um ser de porte muito menor, mas que naquela hora crescia constantemente aos seus olhos pelo olhar raivoso e esbugalhado e os músculos contraídos, suarentos e inchados, expostos devido ao despedaçamento parcial da armadura.
- Vão, idiotas! Se vocês não forem, eu irei esmagar esse rato pessoalmente!
  Mas nem o jotun líder nem os subordinados avançaram mais. Imóveis, receberam em cheio a nova investida de Erik, que, empunhando sua espada com ferocidade renovada, cortou os braços e as cabeças de mais alguns.
- Por que hesitam?! Ataquem juntos e ele não terá nenhuma chance! Os humanos são como os ratos: avançam quando os outros estão com nojo, mas se encolhem diante do primeiro ataque decente! Basta que um sapo passe para que as moscas se escondam; coragem!
  Aquele não era o Erik comandante de tropas e amigo de Lohengrin. Nem mesmo o Erik gladiador. Era o Erik selvagem, sem qualquer traço de humanidade: o primata primordial dos abismos do tempo, de quando o indivíduo humano sequer sonhava existir. A luta numericamente desigual com os jotuns havia despertado em seu cérebro o impulso da pura violência, da destruição que de tão extrema chega a criar, pois o sangue dos adversários desenhava no gelo surpreendentes pinturas em vermelho sobre o branco; do mesmo modo, os que caíam no penhasco despencavam para o oblívio.
  Erik não lutava movido pelo ódio: sentia raiva do mundo, mas não era essa a sua força motriz. Entendia era que, destruindo Mammon e tudo o que o Império simbolizasse, estaria impedindo o sofrimento de muita gente e evitando que alguém viesse a viver de um modo tão amargurado quanto o seu. Não queria compartilhar suas lágrimas, mas evitar que os outros derramassem mais lágrimas. Mesmo quando exterminava seus adversários, entendia que estava fazendo justiça. No fundo, bem na sombra do relâmpago, tratava-se de uma alma altruísta, que deixava a si mesmo em segundo ou terceiro plano para fazer os outros felizes...Ou tentar fazer os outros menos infelizes.
  Contudo, observado com superficialidade, no campo de batalha mais parecia um demônio infernal, uma besta assassina, que abatia seus inimigos movido pelo ódio que sentia e exalava, fazendo o ar ficar com cheiro de queimado. Sentiu ódio do restante das tropas por abandoná-lo; ódio dos jotuns pela destruição causada em sua terra natal por pura ganância; ódio de sua mãe, algo que não sentia havia muito tempo, por querer libertar Midgar para exercer algum poder e não por amar aquela terra (talvez estivesse exagerando em seu julgamento); ódio de Angelos por ter adotado o cainismo, a religião do Império; só não sentiu ódio de Lohengrin. A um certo ponto, deixou de sentir qualquer coisa e se limitou a lutar, arranhar, morder e matar. Ainda que não fosse um gênio na estratégia como Lohengrin, era o relâmpago que a nuvem de seu amigo e líder necessitava.
  O resultado de dez minutos ininterruptos de luta foi a morte de nove sobre dez jotuns. O único sobrevivente acabou sendo o líder: o orgulhoso Skrymir, de quase quatro metros de altura e espessos cabelos e barba ruivos, que fazia questão de chamar todos os humanos de ratos e adorava quebrar nozes com o dedo mindinho, antes de devorá-las.
  Skrymir, ainda com pedaços de nozes mastigados entre os dentes, correu na direção de Erik e tentou obter vantagem ao aplicar toda a sua força física, desferindo-lhe uma violenta martelada, capaz de estourar o dorso de um rinoceronte. Entretanto, no segundo exato, o comandante mercenário se esquivou e girou para acertar uma espadada nas costas do oponente, que foi ao chão.
- Rato persistente!- O jotun urrou, estrangulado pelo ímpeto da batalha, e ergueu-se no ato.- Pois saiba que os golpes dos humanos não doem em mim mais do que nozes caindo no cocuruto!
- (Esse é diferente; fez a esquiva da minha esquiva. Se não tivesse feito nada, teria acertado o quadril ao invés do meio das costas).
  A batalha prosseguiu e continuou virulenta, com intensas trocas de golpes de espada e martelo.
- Renda-se! Ajoelhe-se diante de mim, humano!- Skrymir tentava tirar a concentração do outro enquanto lutavam.- Mas não pense que o pouparei por isso! Adoro rechear com nozes os ratos que caço e comê-los defumados.
  Erik parecia tão compenetrado que não escutava mais nada.
- Nunca conseguirá perfurar a minha armadura! Além de aço, ela está reforçada com as cascas das nozes de Jotunheim, que são dez vezes mais duras e pesadas do que as de Midgar!
  Quem acabou se desconcentrando foi Skrymir, que, ao sentir que as provocações não davam resultado, se enfureceu e deixou a guarda desguarnecida. Em se tratando de uma luta com Erik Donar, um deslize fatal: o comandante mercenário perfurou-lhe uma das pernas e, assim que o inimigo começou a desabar, decepou-lhe a cabeça.
  Mas pensar que tudo havia terminado foi só uma doce ilusão:
- Vamos vingar Skrymir!
  Escutou quando menos esperava o som da trompa dos jotuns, naquele momento sentido como algo distorcido, tortuoso, diabólico. Desabado o líder, viu outra dezena de jotuns vindo em sua direção. Para não entrar em pânico, tornou a lutar.
  Sem pensar em nada, a cada golpe mais ofegante, avistou de longe Buck sorrindo na sua direção, parado em seu cavalo, com a espada em punho e um machado pendurado na sela.
- Buck!
  Em volta, centenas de cadáveres. Mais ninguém, além de Buck, Erik e dos dez jotuns que o combatiam, sobrevivera nas redondezas.
  Buck sorriu mais um pouco. E, de repente, virou as costas e foi embora...
- Ei! Aonde você vai, seu filho da puta?!
  Um jotun acertou Erik no estômago com um martelo.
- Pelo jeito o seu amigo desistiu de você!
  As pernas de Erik fraquejaram. Ele se sentiu desistindo. E teria renunciado à vida, sucumbindo ao bombardeio de golpes, se um machado não tivesse girado veloz, rasgado o ar e decepado a cabeça de um dos jotuns.
  Erik se segurou para não cair no abismo; Buck desembainhou a espada e se meteu no seio dos inimigos, como um lobo faminto num rebanho desguarnecido de ovelhas gordas...



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